domingo, 19 de julho de 2015

BIPOLARIDADE.

Entenda o que é e como lidar com a bipolaridade na infância Arquivo Pessoal/Divulgação
Os desenhos que ilustram esta e outras reportagens da série Meu Filho Tem um Problema foram feitos pelas crianças e pelos adolescentes que têm suas histórias relatadasFoto: Arquivo Pessoal / Divulgação


“Felipe* sempre foi um menino muito afetivo. Desde que ele nasceu, notei que era bem agitado. Às vezes, debatia-se na cama e falava durante a noite, mas era inteligente, rápido e esperto. Foi a partir dos cinco anos que comecei a notar alguns comportamentos estranhos. O Felipe passou a ficar muito agressivo, não aceitava um ‘não’, e atirava na gente tudo o que tinha na mão. Comecei a ser chamada na escola pelo comportamento dele, que estava prejudicando seu relacionamento com os colegas. Mas eram situações passageiras, que logo se normalizavam. Ele tinha amigos no colégio e conseguia acompanhar as aulas. Em algumas semanas, eu notava que ele ficava muito triste, sem querer sair do quarto. Em outras, se agitava, falava muito, queria sair para a rua, comprar coisas. Ficava mais irritado e impaciente. Durante anos, eu sentia que tinha algo de diferente com ele, mas não sabia o que era. Durante os últimos seis anos, levei-o a diferentes especialistas para identificar o que tinha. Uma das coisas que me chamam a atenção é a dificuldade dele em lidar com brigas entre adultos. Lembro de um episódio em que eu discutia com minha mãe, e o Felipe foi até a cozinha, pegou uma faca e ficou com ela apontada para nós. Ele parece que não sabe o que fazer com a raiva que tem dentro. Nem com a tristeza. Calmamente, peguei a faca de volta e guardei, sem que ele resistisse. Há dois anos, o Felipe foi diagnosticado com transtorno bipolar. Desde então, começou um tratamento específico e está melhorando, mas ainda apresenta algumas mudanças de humor bruscas e certas dificuldades na escola. No último relatório do colégio, professores indicaram que ele começou o ano tranquilo e participativo, mas, em alguns momentos, fica mais inquieto e irritado. Ele está com dificuldade para ler e fica triste por isso. Começa a chorar muito e diz que só quer ser um menino normal.”

As crianças que têm o transtorno bipolar são invadidas por uma montanha-russa de sentimentos sem que possam, muitas vezes, compreender exatamente o que estão sentindo. 

Caracterizada pela oscilação entre períodos de extrema euforia e outros de depressão, a bipolaridade até pouco tempo era considerada uma doença de adultos. Mas estudos recentes começaram a apontar que o transtorno pode aparecer ainda na infância, e de forma mais frequente do que se imaginava.

É o que concluiu uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos e publicada na revista Archives of General Psychiatry. Após realizar mais de 10 mil entrevistas com adolescentes entre 13 e 18 anos, os pesquisadores descobriram que uma média de 2,5% desses jovens teve episódios de mania e de depressão nos últimos 12 meses e preencheu os critérios para o diagnóstico do transtorno. 

Ainda que não haja um estudo em grande escala sobre a prevalência da bipolaridade na população infantil, estudiosos estimam que ela atinja até 2% de crianças e adolescentes ao redor do mundo. Um número preocupante, segundo especialistas em transtornos infantis.

— Atualmente, o que se sabe é que de 20% a 40% dos adultos com o transtorno já apresentavam sintomas quando criança. Essa informação é muito importante, pois, o quanto antes o problema for tratado, menores são os prejuízos que a pessoa tem ao longo da vida — explica Silzá Tramontina, psiquiatra de crianças e adolescentes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

A influência do ambiente
O que determina a probabilidade de uma criança ser bipolar e quais os fatores que desencadeiam o transtorno ainda não são questões totalmente esclarecidas pela ciência. Para muitos especialistas, são os genes os responsáveis por essa predisposição.
Pais que apresentam quadros de bipolaridade ou de depressão teriam chances muito maiores de ter filhos com os transtornos. Mas o ambiente em que a pessoa vive teria um papel fundamental: seria o empurrãozinho a quem está prestes a entrar nessa montanha-russa. 

A infância é um período onde a mente é altamente moldável, e a quantidade de estímulos a que os bebês e as crianças estão expostos atualmente, com cores, cheiros, desenhos e barulhos, poderia explicar parte dos diagnósticos.
Pressões como a obrigação de aprender dois ou três idiomas, ser bom em algum esporte, sabe pintar e ainda tirar as melhores notas na escola podem induzir os jovens a desenvolver um temperamento mais confuso, impaciente, frenético e pouco persistente. Esse é um padrão de comportamento em bipolares.
— As principais hipóteses sobre o surgimento desse transtorno relacionam fatores genéticos ligados a alterações químicas no cérebro dessas crianças, como por exemplo, o aumento de substâncias chamadas noradrenalina e dopamina, que influenciam diretamente no comportamento — explica Gustavo Teixeira, psiquiatria da infância e adolescência e autor de livros sobre o tema.
Vaivém intenso
Crianças bipolares experimentam variações de humor semelhantes a dos adultos com o transtorno, mas nem sempre da mesma forma e intensidade. Isso causa confusão em muitos pais, que acreditam se tratar de "coisas típicas da idade". 

Frequentemente, jovens bipolares têm períodos de extrema irritabilidade e acabam sendo mais agressivos com familiares e colegas, prejudicando o convívio social. 

Uma das questões a ficar atento é a incapacidade que muitos deles apresentam em controlar seus acessos de raiva e ansiedade, colocando a si e aos outros em situações de risco. Silzá Tramontina explica que entre 25% e 45% dos adolescentes com o diagnóstico de transtorno bipolar tentam o suicídio.
— O risco é maior durante os episódios mistos e depressivos e, por isso, os pais devem ficar de olho — alerta.
Conforme o psiquiatra de crianças e adolescentes Andre Kohmann, do Hospital Santa Casa de Porto Alegre, as crianças costumam apresentar uma conjunção de sintomas como impulsividade, irritabilidade e dispersão, e podem variar de humor de forma muito mais rápida e intensa que os adultos. Em um mesmo dia, explica, podem apresentar períodos de euforia e outros de apatia e baixa autoestima:
— As formas como os sintomas costumam aparecer também são diferentes. Por exemplo, enquanto um adulto bipolar pode querer mandar ou mesmo agredir o próprio chefe se estiver grandioso e eufórico, uma criança nessa situação pode brigar com o professor sobre como é o jeito certo de dar aula para a turma, ou andar perigosamente de skate na contramão dos carros por achar que nada de mal acontecerá a ela.
Fonte: ZEROHORA

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